terça-feira, 15 de abril de 2014

Desastrada, eu?!

Desde sábado tento me defender da pecha que me persegue. É que querem me incluir a todo custo no grupo das desastradas...

Por isso argumentei:

-Eu nem ando derrubando coisas. Tudo bem que sempre tenho roxos nas canelas porque me taco nas coisas de vez em quando, mas...

Minha tese foi por água abaixo (ou por pia abaixo) ontem à noite quando eu lavava as louças do jantar e derrubei minha caneca no chão, deixando-a sem alça.

Mas não foi só isso. Cheguei ainda a outras conclusões com esse simples episódio.

Ao resgatar a caneca do canto atrás da geladeira (porque essas coisas caem nos lugares mais inusitados?!), encaminhei-me a lixeira e quando estava prestes a jogá-la fora, desisti.

Primeiro porque a comprei em uma viagem de negócios em família; segundo (e principalmente) por trazer estampada o nome “Sra”, o que, de certa forma, trazia certa personificação à coisa.

Ela tinha sido comprada em conjunto com a caneca “Sr.” Não estando em par, não teriam a mesma graça.

Além do que, o fato de agora estar sem alça não a tornava imprestável. Um polimento bem feito abrandaria o perigo de machucar alguém. No fim das contas, nada é assim tão descartável...

Em meio a tais reflexões acabei chegando a outras mais relevantes.

Por exemplo, vivemos um tempo de descartáveis. Não temos paciência para consertar coisas, nem pensamos na possibilidade da reciclagem.

É assim também com as pessoas. Já falei aqui que a maioria dos relacionamentos atuais parece mais com uma relação de consumo. Se o custo está sendo maior que o benefício, nos desfazemos daquele cara e partimos para uma nova empreitada.

Como se trocar uma pessoa pela outra resolvesse o problema que está em nós: individualismo, egoísmo, falta de amor.
Quem ama é diferente.

O evento da queda da caneca coincidiu com o fim da leitura do livro de CS Lewis “A anatomia de uma dor”. Nessa obra, Lewis expõe seu sofrimento durante os dias que se seguiram a morte de sua amada esposa.

Interessante destacar que quando se casaram, ela já estava terrivelmente doente. Alguns dizem até que o casamento foi mais um ato de compaixão do famoso escritor para com a mulher. Estrangeira, separada, com dois filhos e enfrentando um câncer, ela precisava de um visto pra não ser enxotada da Inglaterra.

Lewis esteve presente nos últimos anos de vida da esposa, cada um exposto às maiores fragilidades do outro. Apesar das circunstâncias desfavoráveis e do pouco tempo juntos, eles desenvolveram um amor tão forte e vivo que as páginas de seu diário de luto se transformaram em um livro que inspirou e inspira tanta gente ao redor do mundo.

Ao imaginar que sua esposa morta (a quem ele chama H) poderia observá-lo aqui na terra, escreveu:

“Será que H. agora vê exatamente o quanto de palavrório ou retórica havia no que ela chamava – e eu chamo- de meu amor? Que assim seja. Olhe o melhor que puder, querida. Eu não esconderia, se pudesse. Nós não idealizamos um ao outro. Não tentamos manter quaisquer segredos. Você conheceu a maioria dos ‘podres’ em mim. Se agora vê algo pior, posso aceitá-lo. Você também. Dê bronca, explique, zombe, perdoe. Pois esse é um dos milagres do amor. Ele concede – a ambos, mas principalmente à mulher- uma capacidade de ver além de seus próprios atrativos e , ainda assim, sem perder o encanto. ”

Quando olhamos de perto, os defeitos se tornam mais perceptíveis e maiores, mas o amor repara falhas, cobre multidão de pecados, nos ajuda a acreditar em novos começos e encontrar beleza onde ninguém vê.

Minha xícara, Sra, não precisou ir para o lixo, apesar de não ser mais o belo e completo objeto que comprei no mercado.

Nossos amigos, irmãos, pais, marido também tem partes quebradas. Quem sabe o tempo lhes tirou parte da graça? E em seus rostos agora habitem profundas marcas?

“O menino é pai do homem”, como bem disse Machado de Assis. Apesar das frustrações, do rosto enrugado, a criança ainda está lá.

Olhemos com atenção, cuidemos de nossos queridos. Em se tratando de pessoas, não existem imprestáveis, descartáveis... O amor nos torna capazes de entender isso.

4 comentários:

  1. Boa observação, Larinha! Lembremos também do nosso exemplo, o quanto somos imprestáveis e Deus, mesmo assim, resolveu nos amar e nos salvar!

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    1. Boa lembrança, Jennifer! Ele não precisava de nós, ainda assim nos criou, amou e se entregou por nós. bjinhos

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  2. Uma verdade óbvia, mas que poucos observam! Belo texto!

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