terça-feira, 20 de setembro de 2011

Décimo quarto dia

A rede pink onde ela costumava balançar continua lá. Assim como as fotografias, todos os detalhes da casa têm sua imagem.

Aos poucos, voltamos às atividades normais, apesar de existir sempre uma ponta de anormalidade. Ao observar as vitrines nos shoppings ainda encontro as sandálias que ela tanto gostava. Mas ela não está aqui. É a dor que a morte insiste em deixar.

Na minha ainda curta trajetória, nunca tinha sentido tão forte essa saudade. Poucos foram os próximos que me deixaram. Então aprendo, aos poucos, as nuanças do luto, os dias que se seguem a perda, o consolo e a fé que encontramos em Deus.

A primeira vez que vi a morte mais perto foi quando eu perdi meu avô materno. Eu tinha uns quatro anos de idade e recebi a notícia de meus irmãos tão logo acordei naquela manhã atípica.

Quando a gente é criança encara tudo com muita naturalidade. E foi assim que enfrentei. Na verdade, logo me afastaram (juntamente com todas as crianças) do lugar do velório e nos levaram a um lugar onde tudo era brincadeira.
Lembro de algumas coisas daquele dia, porém, do pouco tempo que convivi com meu avô, o que mais me marcou não foi sua morte, mas sua música preferida, que falava de um senhor que permanecia firme em Deus e não se abalava apesar das dificuldades:

Encontrei-me com um velho fazendeiro;
O seu rosto enrugado pelo sol
Oitenta anos tem, chama-se tio Sampaio,
Não tem medo de nenhum temporal.
Perguntei qual era o seu grande segredo,
De uma longa vida cheia de vigor,
De uma fé tão radiante que a todos atraía,
Tio Sampaio me respondeu:
As raízes...
Cuide bem das coisas principais,
Arraigado sempre firme na Palavra do Senhor
Nada vai te abalar.
As raízes...
Tio Sampaio me falou da sua vida
Que quando jovem entregou-se ao Senhor,
Dedicou-se ao estudo da Palavra,
Cada dia foi crescendo seu amor.
Sua esposa já morreu há oito anos,
Ele sabe que seus dias vão findar.
Não importam as circunstâncias ou o vento que soprar;
As raízes vão segurar; As raízes...
(As raízes - Vida abundante)

Morte é vazio, é distância, é realidade. É o último inimigo a ser vencido, é a despedida mais triste, o coração mais apertado.

Morte são lágrimas sem fim, sonhos sem começo, pés sem chão. Morte é um dia de chuva, uma noite sem estrelas, um sol sem expressão.

Fica aquela vontade de ter convivido mais com aquele ente querido, ficam as palavras que deveríamos ter dito, os telefonemas que poderíamos ter dado...
Muitos dos que ficam acabam enveredando por um caminho perigoso: a tentativa de falar com os mortos.

A Bíblia condena esse tipo de prática. Deus abomina quem consulta os mortos (Dt 18.11). Em Is. 8.19, encontramos que:

"Algumas pessoas vão pedir que vocês consultem os adivinhos e os médiuns, que cochicham e falam baixinho. Essas pessoas dirão: 'Precisamos recebecer mensagens dos espíritos, precisamos consultar os mortos em favor dos vivos!' Mas vocês respondam assim: 'O que devemos fazer é consultar a lei e os ensinamentos de Deus. O que os médiuns dizem não tem nenhum valor'."

Esse sentimento de que faltou alguma coisa, de que a obra estava inacabada, de que havia muito por se viver são resquícios de nosso equívoco. Essa vida é só passagem. Nunca ficaremos completamente satisfeitos nesse plano, pois fomos feitos para a eternidade.

De nada adianta questionar os desígnios de Deus. Ele é perfeito e sabe de todas as coisas. Ao invés de tentarmos superar a falta da pessoa amada recorrendo a pessoas que prometem conectá-lo ao outro mundo, devemos nos concentrar nos momentos que vivemos juntos e investir naqueles que ainda estão a nossa volta.

Apesar da dureza do momento, temos que levar em conta que a morte é a oportunidade de exercitarmos a nossa fé. É quando, finalmente, nos damos conta de que esse mundo que agora vemos é passageiro e que devemos nos preparar para a vida eterna.

A morte não é o fim. Pra quem vive uma vida com Deus, pra quem o obedece e o engrandece, a morte é um passaporte para uma vida plena ao lado do Pai.

Hoje faz duas semanas que minha sogra partiu. Ainda custa a acreditar. Como não sou mais criança, tive que encarar a morte de frente, não a vi com indiferença. Apesar de lembrar daquele dia com detalhes, o que mais me marcou não foi sua morte, mas sua vida, seu sorriso, suas palavras, sua música favorita.

Nos dias que sucederam à ida de minha sogra, meu sogro consolava-se com a palavra de Jesus para o criminoso que, já no momento de sua morte, arrependeu-se e se converteu de seus maus caminhos: Hoje mesmo estarás comigo no paraíso. Então meu sogro dizia: ela já está no céu, não vai precisar ficar vagando por aí. A salvação não é como a carta, mas como o e-mail, que logo chega a seu destino.

O céu é um lugar preparado por nosso Mestre, onde não há dor, nem qualquer sofrimento. Fico imaginando que, enquanto escrevo, ela está ouvindo um lindo coral de anjos, desfrutando de uma paz indizível...

E nós, que ficamos, aguardamos a volta de Cristo ou a sua chamada quando, então, nos reencontraremos.

Para finalizar, deixo um trecho de meu livro "A Terra dos Sonhos Mortos": "E eu aprendi que a vida não é medida por dias, meses ou anos... Mas por intensidade... E ela soube viver uma vida longa, por isso não se foi nem cedo, nem tarde, mas no tempo certo".

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