Petit parecia um cachorrinho de madame, quando papai o comprou para presentear mamãe. Eu e meus irmãos éramos crianças quando ele chegou dentro de uma caixa, apenas um filhote.
Ficamos impressionados e mortos de empolgados com aquela linda e pequena bola de pelos branquinhos. - Parece um carneirinho- concluímos.
Com pouco tempo, Petit revelou que andava longe de ser bibelô de madame. Parecia mais um vira-lata, daqueles beeem pé sujo. Não existia no mundo quem adorasse mais a rua do que ele. Bastava uma brecha no portão para ele fugir. Aparecia depois de muitos dias, depois de grandes aventuras.
Não tinha quem conseguisse mantê-lo limpo. Ele era insubordinado, inteligente, temperamental e metido. Brigava com os grandes, o que fez com que perdesse um olho e ficasse algumas vezes entre a vida e a morte.
Por conta de seu comportamento inadequado, papai acabou enviando o cachorro para um primo que morava no Maranhão.
Mas Petit era um ser incorrigível, continuava aprontando na rua e povoando nossos corações. Por isso, anos mais tarde trouxemos o bichinho de volta para casa.
Pelo seu porte pequeno e sua carinha meiga, esperávamos que ele fosse um cão caseiro e passivo, que passasse o dia desfilando pela casa, exibindo seu lindo pelo branquinho, mas não. A maior parte do tempo seu pelo ficava recortado por conta das sujeiras que colavam nele em suas caminhadas pelo mundo. Ele encerrou a vida velhinho, feinho, bem diferente do filhote irresistível que conhecemos; nem por isso deixou de ocupar nossas lembranças mais agradáveis. Seu valor era maior.
Hoje descobri que na verdade o pequinês, raça a qual Petit pertencia, apesar de meiguinho, tem a personalidade caracterizada pela altivez e independência, tal qual ele era... Por isso, na China, há uma lenda associando-o aos leões.
Muitas vezes nós queremos encaixar coisas, animais e pessoas em um padrão.
Limitamos nossas crianças e jovens a um tipo, desconsiderando seus dons e particularidades.
Crescemos e continuamos nessa guerra entre o que somos e o que querem fazer de nós. É a razão de tantos sentirem-se deslocados de seu ambiente ideal e confusos, sempre confusos.
Para não sair do conforto, acabamos seguindo a correnteza e vivendo um conflito de identidade, afinal nossos pais não nos criaram para sermos quem somos, mas para sermos bem-sucedidos, aplaudidos, amados.
Nesse sentido é que Brooke Fraser canta (na belíssima CS Lewis Song):
“Existe uma alma que se move em mim
Ela está se libertando, querendo se tornar viva?
Porque o meu conforto prefere ficar dormente
E evitar o vindouro nascimento de quem nasci para me tornar [...]”
Uma coisa é certa: nascemos para glorificar o Criador, que nos criou em sua multiforme sabedoria.
Ser quem somos não significa seguir o nosso enganoso coração, mas viver aquele chamado que recebemos junto com o nosso DNA. E isso muitas vezes demanda uma longa jornada.
Deus nos ajude!
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